2 de abr. de 2010

Páscoa: Travessia e Travessuras da Humanidade

A Páscoa é celebrada por duas das principais religiões monoteístas do mundo, a saber, o judaísmo e o cristianismo.

Para os judeus, é comemoração de sua saída do Egito, depois de mais de 400 anos de escravidão.

Para os cristãos é a comemoração da morte e ressurreição de Cristo, através das quais somos libertos da escravidão do pecado e da morte.

Gostaria de sugerir uma interpretação que englobasse ambas as celebrações, baseada no sentido original da palavra. “Páscoa” (Pesach, em hebraico) significa literalmente “Passagem”, ou “Travessia”.

Desde os primórdios da civilização, a humanidade tem sido desafiada a atravessar fronteiras que delimitam não apenas sua morada, mas também sua compreensão de Deus, da vida e da realidade como um todo (cosmovisão). Esta “travessia” tem sido instigada pelo próprio Deus, e patrocinada pelo Cordeiro cuja vida foi entregue antes da fundação do Mundo. É este “Cordeiro” o elo entre ambras celebrações, a judaica e a cristã.

O cordeiro que cada família hebréia teve que sacrificar antes de deixar o Egito tipificava o Cordeiro de Deus que remove o pecado do mundo, e que, para os cristãos, é ninguém menos que Jesus de Nazaré, Unigênito de Deus, engendrado pelo Espírito Santo no ventre de uma virgem judia chamada Miriam (Maria).

Foi Sua entrega anterior ao start da história que garantiu que Ele mesmo seria o guia da humanidade em sua travessia rumo à maturidade. Deus sabia que nesta travessia, o homem faria muitas travessuras. Somente o sangue de Seu Unigênito seria capaz de impedir que tais travessuras nos fizessem atolar em nossa travessia.

João refere-se a isso ao declarar:”Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram sobre ela (…) A luz verdadeira que ilumina a todos os homens estava vindo ao mundo” (Jo.1:4-5,9).

Apesar das trevas que insistem em cobrir os povos, Cristo tem sido o farol que tem guiado a civilização humana nesta travessia. Não há sociedade em que não encontremos Seus rastros de luz. No dizer de Paulo, ainda que Deus “nos tempos passados”, tenha deixado andar todas as nações “em seus próprios caminhos”, “contudo, não deixou de dar testemunho de si mesmo”(At.14:16-17). Em outro sermão, desta vez pregado no centro do saber filosófico, Paulo diz que Deus, “de um só fez todas as nações dos homens, para habitarem sobre toda a face da terra, determinando-lhes os tempos já dantes ordenados e os limites da sua habitação. Deus fez isto para que o buscassem, e talvez, tateando, o pudessem achar, ainda que não está longe de cada um de nós” (At.17:26-27).

Podemos encontrar lampejos de Sua presença entre os povos pré-colombianos nas Américas, entre os ameríndios nas ilhas do pacífico, e até entre os esquimós nas geleiras. Se Deus nos houvesse entregues à própria sorte, há muito teríamos nos auto-extinguidos.

Esta “travessia” tem sido feita em etapas, nas quais a humanidade tem sido conduzida a uma compreensão mais madura acerca de Deus.

No início da saga humana, nossa busca primordial era por sobrevivência. Nesta etapa de nossa travessia enxergávamos Deus como o Supremo Provedor. A Terra era um jardim de onde coletávamos aquilo de que necessitávemos para sobreviver. Não tínhamos ideia de quão vasta era a Terra para além do território em que vivíamos. Aquele era o nosso jardim, nosso lar, cenário da comunhão entre nós e Aquele Ser que nos havia criado. Tão logo comemos daquele fruto que nos tinha sido vetado, vimo-nos expulsos do conforto daquele jardim, e partimos em nossa peregrinação pelo mundo. Expostos a todo perigo, nossa busca passou a ser porsegurança. Desenvolvemos clãs, tribos, e mais tardiamente, nações. Nossa compreensão de Deus atribuiu-Lhe o caráter de Protetor, guerreiro, e não apenas provedor. Daí surgiu o politeísmo. Cada tribo desenvolveu sua compreensão particular acerca da divindade. E quando guerreavam, era como se seus deuses também guerreassem. Quando perdiam uma batalha, achavam que seu deus não estava satisfeito e deveria receber algo em troca, alguma oferta, para que lhes garantisse o êxito da próxima batalha. Surgia a religião. Não demorou para que pessoas se destacassem como mediadoras entre a divindade e os demais.

Quando algumas tribos resolveram se reunir, somar forças contra um inimigo comum, surgia uma nação. Com isso, também surgia o sincretismo, reunindo elementos de ambas as religiões numa teologia e cosmovisão únicas. Nesta etapa da travessia, nossa busca passou a ser porPoder. Surgiam os impérios e sua sede de domínio. Povos menores eram conquistados e assimilados. O deus territorial adorado por cada tribo era substituído por panteões, onde os deuses disputavam a lealdade de seus povos. Cada deus passou a ser visto como responsável por uma área específica da realidade. Surgiram deuses da agricultura, da fertilidade, da guerra, etc. Entretanto, sempre havia um lugar de honra dedicado ao “Deus dos deuses”, tivesse o nome que fosse. Esta visão de Deus nos ajudou a estabelecer a ordem civil, impedindo-nos de sermos dissolvidos num caos social. O rei era visto como o representante dos deuses, e às vezes era identificado como um deles. Seus decretos tinham peso de ordens divinas, que não podiam ser contestadas. Logo, surgiram os abusos. Povos dominados eram escravizados. Impostos insuportáveis eram exigidos de seu próprio povo. Isso nos empurrou para uma próxima fase de nossa travessia. Os injustiçados e dominados passaram a buscar Independência. Ninguém mais suportava o jugo dos dominadores. Havia um clamor que subia incessantemente ao céu. A compreensão de Deus evoluiu mais uma vez. Ele agora era visto não apenas como o Soberano, Rei dos reis, mas também como o Juíz da causa dos oprimidos, e o seu Libertador. Um Deus que desdenha dos panteões criados pela imaginação humana, e intervém em favor dos desprezados. Um Deus que não se dobra aos caprichos dos dominadores, mas que pauta Suas ações na justiça. Um Deus que promulga leis as quais até os maiorais dentre o povo devem se submeter. Um Deus que nos convida à liberdade consciente, assistida pela responsabilidade. Foi, de fato, um grande salto na compreensão da humanidade acerca de Deus. Porém, a travessia não terminou.

Continua amanhã…

Nenhum comentário: